Andreza Borsatto Bolsista IC/FAPEMIG
Orientação: Profa. Claudia Loureiro
Diante do contexto da crise migratória de 2015 e 2016, período em que as regulamentações vigentes se mostraram insuficientes e acarretaram instabilidades para a União Europeia, o novo pacto em matéria de migração e asilo apareceu como uma tentativa de melhorar a gestão da migração, assunto que afeta de forma direta e indireta grande parte dos países do bloco. Este novo regulamento revoluciona no sentido de trazer, na teoria, perspectivas de solidariedade e uma distribuição mais equitativa das responsabilidades entre os Estados-membros, ao mesmo tempo em que atenda as demandas e respeite os direitos dos requerentes de asilo.
Apesar de propor essas mudanças e ainda ser muito recente para afirmar sobre o efetivo funcionamento das metas estabelecidas, o novo pacto europeu já foi e está sendo alvo de críticas por organizações não governamentais, acadêmicos e estudiosos sobre o assunto por diversos motivos.
Desde 2015, mais de 28.201 pessoas morreram ou desapareceram durante a travessia do Mediterrâneo, e os riscos não terminam quando chegam ao destino. Os que viajam irregularmente pelo continente relatam abusos, violências, adoecimentos e são impedidos de cruzar fronteiras (CECCON, 2024). E as críticas sobre o novo pacto se concentram exatamente nessa questão: Será que as mudanças implementadas serão suficientes para lidar com as crescentes ondas de migração que atingem a Europa? Será que essas medidas irão apenas manter, ou aprofundar os problemas que os migrantes sofrem diariamente ao tentar cruzar as fronteiras?
Diante disso, a primeira crítica, decorre do próprio contexto em que a ideia do novo pacto surgiu. De Vilares Morgado (2023) defende a ideia de que a chamada pelos europeus de “crise migratória” de 2015 e 2016, seria na verdade uma crise de acolhimento cujo problema estaria na forma como os Estados-membros lidam com os requerentes de asilo. Esse argumento é sustentado por ações que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) teve na época, quando repreendeu severamente os Estados-Membros pelas suas práticas desumanas em relação aos recém-chegados que procuravam proteção internacional.
As principais inovações que constam no pacto em relação a isso são: primeiramente, um alargamento do uso de procedimentos acelerados e de fronteira, de modo que aqueles cujos pedidos forem aceitos podem entrar na UE e os que forem rejeitados podem ser rapidamente devolvidos ao país de origem ou a um país terceiro. Contudo, com esse procedimento, altamente questionável devido às suas prováveis consequências, mais pessoas são colocadas sob detenção nas fronteiras, incluindo famílias com crianças e pessoas em situações vulneráveis. Além disso, tratando-se de procedimentos acelerados, é menos provável que as pessoas vejam as necessidades de proteção de cada indivíduo verdadeiramente reconhecidas, uma vez que dificilmente haverá uma avaliação cuidadosa e integral dos pedidos de asilo. Essa medida também pode levar a uma maior sobrecarga dos países da linha da frente, mantendo os problemas do antigo sistema.
A outra novidade do Pacto é o estabelecimento de um sistema de “solidariedade flexível” entre os Estados-membros que visa compensar os desequilíbrios de Dublin. Isso significa que os Estados que não enfrentam pressão migratória podem optar por prestar financiamento aos Estados de fronteira em alternativa a acolher requerentes de asilo. Todavia, entre acolher e pagar é mais provável que os Estados optem pela ajuda financeira, impossibilitando que o novo mecanismo conduza finalmente a uma distribuição mais justa dos requerentes de asilo na União Europeia.
Carton (2024) destaca que o pacto europeu reforça políticas que discriminam migrantes com base na nacionalidade ou na região de origem, posto que pessoas oriundas de países considerados economicamente ou politicamente superiores receberiam tratamento preferencial, enquanto aquelas vindas de regiões em crise – muitas vezes antigas colônias europeias – são estigmatizadas como “imigrantes ilegais”.
Um exemplo desta situação foi a resposta adotada pela União Europeia em 2022, diante da invasão russa da Ucrânia. A UE respondeu de forma unânime, solidária e supranacional, repartindo o acolhimento de mais de quatro milhões de ucranianos por todos os Estados-membros ilustrando como é possível responder aos movimentos massivos de pessoas em necessidade de proteção com uma estratégia que respeita o quadro legal europeu, o direito internacional e os direitos humanos (PINA, 2024). No entanto, países como Afeganistão, Síria, Eritreia e Sudão, marcados por guerras civis e crises humanitárias, são os principais pontos de origem de muitos migrantes e em vez de oferecer proteção, a UE impõe processos de asilo cada vez mais complexos e adota legislações que dificultam o acolhimento.
Desse modo, considera-se que a gestão migratória europeia reflete uma lógica necropolítica – conceito filosófico utilizado por Achille Mbembe, em obra publicada no ano de 2011, que faz referência ao uso do poder social e político para decretar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer – na qual decisões políticas sobre quem pode atravessar as fronteiras muitas vezes resultam em exclusão, marginalização e até na morte das pessoas que buscam asilo em algum país. A declaração de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, de que “são os europeus que decidirão quem vem para a União Europeia e quem pode ficar, não os passadores”, reforça essa abordagem do controle europeu sobre suas fronteiras (CARTON, 2024).
Assim, o pacto europeu aponta para a não solução do problema e para o reforço de uma política migratória que não apenas perpetua desigualdades históricas, mas também reforça a desumanização das populações mais vulneráveis, ignorando os princípios de solidariedade e direitos humanos pregados na nova normativa. Apesar disso, por ser um acordo recente, é preciso aguardar os próximos acontecimentos e observar se os compromissos de respeito aos direitos humanos e melhoria do sistema de acolhimento para os Estados-membros serão vistos na prática.
REFERÊNCIAS
CARTON, Emanuelle. Pacto de asilo e migração: mais um passo na necropolítica europeia. CADTM, 14 jun. 2024. Disponível em: <https://www.cadtm.org/Pacto-de-asilo-e-migracao-mais-um-passo-na-necropolitica-europeia>. Acesso em: 24 jan. 2025.
CECCON, Roger Flores. Os custos humanos das políticas de migração da União Europeia. LE MONDE diplomatique, 29 fev. 2024. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/custos-humanos-politicas-de-migracao-uniao-europeia/>. Acesso em: 27 jan. 2025.
DE VILARES MORGADO, Emanuel Filipe Pires. Os limites da solidariedade europeia no Novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo.
PINA, Teresa. O Pacto Europeu para as Migrações e Asilo: uma oportunidade perdida? Público, 21 maio 2024. Disponível em: < https://www.publico.pt/2024/05/21/opiniao/opiniao/pacto-europeu-migracoes-asilo-oportunidade-perdida-2091205>. Acesso em: 25 jan. 2025.
Um novo Regulamento Gestão do Asilo e da Migração. European Comission, 8 out. 2024. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-migration-policy/eu-migration-asylum-reform-pact/asylum-migration-management/. Acesso em: 7 nov. 2024.