Catherine Maia[1]
Sónia Novais Santos[2]
Enquanto a violência em Gaza continua intensa desde o ataque do Hamas ao território israelense em 7 de outubro de 2023, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) foi acionada em várias frentes para reafirmar a força do direito internacional.
Três processos estão atualmente pendentes: a ação movida em dezembro de 2023 pela África do Sul contra Israel pela alegada violação da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio na Faixa de Gaza; o caso iniciado em março de 2024 pela Nicarágua contra a Alemanha por supostas falhas no cumprimento de certas obrigações internacionais relativas ao Território Palestiniano Ocupado, sendo este país o segundo maior fornecedor de armas a Israel; e um pedido de parecer consultivo apresentado em março de 2025 pela Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as obrigações de Israel relativas à presença e às atividades da ONU, de outras organizações internacionais e de Estados terceiros no Território Palestiniano Ocupado.
Na expectativa do resultado destes processos, foi num contexto geopolítico particularmente tenso no Médio Oriente que a CIJ emitiu, em 19 de julho de 2024, um parecer consultivo de grande importância.
Solicitada pela Assembleia Geral, a Corte foi chamada a se pronunciar sobre as consequências jurídicas da ocupação prolongada do Território Palestiniano por Israel, incluindo Jerusalém Oriental.
No seu parecer, a Corte reafirma a aplicabilidade dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos – especialmente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD) – aos territórios ocupados.
Israel, como potência ocupante, permanece juridicamente responsável pelas violações cometidas no âmbito de seu controle efetivo do território.
O parecer destaca as múltiplas violações ao direito de autodeterminação, aos direitos civis, económicos e culturais, bem como ao princípio fundamental da igualdade.
A contínua colonização, a fragmentação territorial, a expropriação de recursos e a discriminação institucionalizada contra os palestinianos configuram uma situação estruturalmente incompatível com o direito internacional.
Para além desta constatação, a Corte sublinha a necessidade de reparações efetivas.
Em conformidade com o direito da responsabilidade internacional, Israel tem a obrigação de cessar os atos ilícitos, garantir que eles não se repitam e reparar integralmente os danos causados.
Essas reparações devem abranger tanto as perdas materiais quanto as violações dos direitos individuais e coletivos, por meio de restituição, indemnização ou medidas de satisfação.
Por fim, a CIJ afirma com firmeza que essa situação implica a responsabilidade de todos os Estados. Estes têm a obrigação de não reconhecer como lícita tal ocupação, de não prestar qualquer ajuda ou assistência para sua manutenção e de cooperar para lhe pôr termo.
O parecer abre, assim, caminho para mecanismos de solidariedade internacional, incluindo formas de reparação coletiva ou iniciativas multilaterais em apoio aos direitos do povo palestiniano.
Ao articular claramente o reconhecimento das violações, a exigência de reparação e a responsabilidade da comunidade internacional, a Corte reafirma o papel central do direito internacional como instrumento de justiça e de paz.
Para além do seu significado simbólico, este parecer constitui, assim, um apelo jurídico à ação.
É com especial honra que contribuo para este artigo em coautoria com a Professora Doutora Catherine Maia, de quem fui aluna em Direito Internacional, no Doutoramento em Direito, cuja notável trajetória académica e vasta experiência na esfera internacional a consagram como uma das mais proeminentes referências da investigação jurídica contemporânea. O reconhecimento da sua excelência cientifica foi recentemente reafirmado pela própria CIJ, que a citou no parecer consultivo de 19.07.2024 (disponível em https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/186/186-20240719-adv-01-14-en.pdf ), reforçando a centralidade do seu pensamento na evolução do Direito Internacional e dos Direitos Humanos.
Referências
MAIA, Catherine. Guerre à Gaza: Israël accusé de “génocide” par l’Afrique du Sud devant la Cour internationale de Justice, Journal du droit transnational, 18/01/2024. Disponível em: https://journaldudroittransnational.it/guerre-a-gaza-israel-accusee-de-genocide-par-lafrique-du-sud-devant-la-cour-internationale-de-justice/ (acesso em 22.04.2025).
MAIA, Catherine; POISSONNIER, Ghislain. Avis de la CIJ de 2024 relatif à l’occupation du Territoire palestinien: une analyse au prisme du droit international des droits humains, Revue des droits de l’homme, 10/2024. Disponível em:https://journals.openedition.org/revdh/21023 (acesso em 22.04.2025).
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Legal consequences arising from the policies and practices of Israel in the Occupied Palestinian Territory, including East Jerusalem. Advisory Opinion, 2024. Disponível em: https://www.icj-cij.org/index.php/fr/affaire/186 (acesso em 22.04.2025).
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Parecer consultivo de 19 de julho de 2024, com citação da Professora Doutora Catherine Maia. Disponível em: https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/186/186-20240719-adv-01-14-en.pdf (acesso em 22.04.2025).
Casos pendentes:
[1] Catherine Maia – https://orcid.org/0000-0001-9710-4655
[2] Sónia Novais Santos – https://www.cienciavitae.pt/portal/pt/0A17-453E-120C
The 2024 ICJ Advisory Opinion on Palestine: International Human Rights Law Perspectives
Catherine Maia[1]
Sónia Novais Santos[2]
As the violence in Gaza continues to rage since the Hamas attack on Israeli territory on 7 October 2023, the International Court of Justice (ICJ) has been activated on several fronts to reaffirm the force of international law.
Three cases are currently pending: the lawsuit filed in December 2023 by South Africa against Israel for the alleged violation of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide in the Gaza Strip; the case filed in March 2024 by Nicaragua against Germany for alleged failures to fulfil certain international obligations regarding the Occupied Palestinian Territory, this country being the second largest arms supplier to Israel; and a request for an advisory opinion submitted in March 2025 by the United Nations General Assembly on Israel’s obligations regarding the presence and activities of the UN, other international organisations and third states in the Occupied Palestinian Territory.
Pending the outcome of these proceedings, it was in a particularly tense geopolitical context in the Middle East that the ICJ issued a major advisory opinion on 19 July 2024.
At the request of the General Assembly, the Court was asked to rule on the legal consequences of Israel’s prolonged occupation of the Palestinian Territory, including East Jerusalem.
In its opinion, the Court reaffirms the applicability of the international instruments protecting human rights – especially the International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR), the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (ICESCR) and the International Convention on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination (CERD) – to the occupied territories.
Israel, as the occupying power, remains legally responsible for the violations committed within the framework of its effective control of the territory.
The opinion highlights the multiple violations of the right to self-determination, civil, economic and cultural rights, as well as the fundamental principle of equality.
The continuous colonisation, territorial fragmentation, expropriation of resources and institutionalised discrimination against the Palestinians constitute a situation that is structurally incompatible with international law.
In addition to this finding, the Court emphasises the need for effective reparations.
In accordance with the law of international responsibility, Israel has an obligation to cease the illegal acts, to ensure that they are not repeated and to make full reparation for the damage caused.
These reparations must cover both material losses and violations of individual and collective rights, through restitution, compensation or measures of satisfaction.
Finally, the ICJ firmly states that this situation implies the responsibility of all states. They have an obligation not to recognise this occupation as lawful, not to provide any aid or assistance to maintain it and to cooperate in putting an end to it.
The opinion thus paves the way for mechanisms of international solidarity, including forms of collective reparation or multilateral initiatives in support of the rights of the Palestinian people.
By clearly articulating the recognition of violations, the demand for reparation and the responsibility of the international community, the Court reaffirms the central role of international law as an instrument of justice and peace.
Beyond its symbolic significance, this opinion thus constitutes a legal call to action.
It is with special honour that I contribute to this article in co-authorship with Professor Catherine Maia, whose academic career and vast experience in the international sphere make her one of the most prominent references in contemporary legal research. The recognition of her scientific excellence was recently reaffirmed by the ICJ itself, which cited her in its advisory opinion of 19 July 2024 (available at https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/186/186-20240719-adv-01-14-en.pdf), reinforcing the centrality of her thinking in the evolution of international law and human rights.
References
MAIA, Catherine. Guerre à Gaza: Israël accusé de “génocide” par l’Afrique du Sud devant la Cour internationale de Justice, Journal du droit transnational, 18/01/2024. Disponível em: https://journaldudroittransnational.it/guerre-a-gaza-israel-accusee-de-genocide-par-lafrique-du-sud-devant-la-cour-internationale-de-justice/ (acesso em 22.04.2025).
MAIA, Catherine; POISSONNIER, Ghislain. Avis de la CIJ de 2024 relatif à l’occupation du Territoire palestinien: une analyse au prisme du droit international des droits humains, Revue des droits de l’homme, 10/2024. Disponível em:https://journals.openedition.org/revdh/21023 (acesso em 22.04.2025).
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Legal consequences arising from the policies and practices of Israel in the Occupied Palestinian Territory, including East Jerusalem. Advisory Opinion, 2024. Disponível em: https://www.icj-cij.org/index.php/fr/affaire/186 (acesso em 22.04.2025).
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Parecer consultivo de 19 de julho de 2024, com citação da Professora Doutora Catherine Maia. Disponível em: https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/186/186-20240719-adv-01-14-en.pdf (acesso em 22.04.2025).
Casos pendentes:
[1] Catherine Maia – https://orcid.org/0000-0001-9710-4655
[2] Sónia Novais Santos – https://www.cienciavitae.pt/portal/pt/0A17-453E-120C
